29.11.04
Pessoa anti-Americano ?
Esta inusitada questão encontrei-a num blogue que costumo visitar, o Super Flumina, e motivou-me a escrever um comentário, que, por me ter saído algo extenso, não quis lá deixá-lo. Poderia, digamos assim, ser visto como um abuso de hospitalidade.
Como, modestamente, tive ocasião de escrever, já aqui no Alma Lusíada, a propósito de Fernando Pessoa, era este Poeta simultaneamente um louco e um génio, dotado de um extraordinário poder criativo, inventivo, uma autêntica máquina de pensar, incessantemente em produção.
No próximo dia 30, 3ªfeira, cumprem-se os 69 anos da sua morte, trágica, porque o levou ainda relativamente novo, com 47 anos de idade, em plena fase da sua produção literária amadurecida.
No ano que se avizinha, em 2005, certamente, aproveitarão o número redondo da efeméride,70, para uma vistosa comemoração oficial, com sempre gostam de fazer os seus numerosos e envaidecidos exegetas, alguns inequivocamente muito bons e sinceramente interessados em divulgar, se ainda é preciso, o nome do Poeta.
Sendo embora um génio, como disse, na minha modesta opinião, era-o de uma forma desequilibrada e nem tudo aquilo que saiu da sua pena tem o mesmo valor ou merece o mesmo entusiasmo. Até porque não reviu, para publicação, muito daquilo que ia deixando escrito.
Escrevia muita coisa de rajada, febrilmente, em noites atormentadas, em papéis e cadernos que depois atirava para o célebre baú. E sabemos como a revisão de um texto é fundamental, antes de dá-lo à publicação.
Quem sabe se ele estaria interessado em publicar muita coisa que agora aparece a lume, respigada do famigerado baú ? Pode até questionar-se o direito de outrem o fazer.
No que se refere ao seu hipotético anti-americanismo, não tenho sequer conhecimento de que Pessoa haja dedicado atenção a este tema, mas também não sou especialista em Pessoa, apesar de grande admirador da sua obra, que a tenho comigo, na sua quase totalidade, embora ainda não completamente lida.
Mas assinalo que Pessoa foi educado, na infância e adolescência, na África do Sul, colónia britânica, entre súbditos de Sua Majestade, em quem os preconceitos anti-americanos provavelmente se fariam notar.
Nas camadas cultas inglesas, ainda mais entre as aristocráticas, era comum, no final do século xix, considerarem os americanos pouco mais que seres boçais, obcecados com o dinheiro dos negócios, sôfregos de reconhecimento social, que aquele então ainda não garantia, pelo menos não tanto como hoje.
Esta percepção é bem patente num filme chamado "Os Despojos do Dia/The Remains of the Day", que correu por cá há uns anos, aliás, com excelentes interpretações de Anthony Hopkins e Emma Thompson.
Nele se confrontam as visões da política mundial da aristocracia britânica, nos anos vinte e trinta, creio, do século passado, muito baseada ainda em conceitos de honra, cavalheirismo, respeito de códigos, etc., coisas que estavam já em franco desaparecimento, em contraste com a visão dos EUA, potência em ascensão desde o fim da guerra de 1914-1918, com uma noção da política internacional mais pragmática, realista, fundada nos interesses e na capacidade de os afirmar e defender.
Para os aristocratas britânicos, os americanos eram ainda uma Nação demasiado jovem, com uma população muito heteróclita, carecida de pergaminhos culturais, demasiado ocupados com a sordidez dos negócios, sem tempo nem disposição para o apreço dos elevados ideais da Moral e da Arte, nem igualmente tinham a educação indispensável para a fruição dos bens normalmente exigidos pelos espíritos cultivados, apesar de existirem, já então, na América, alguns núcleos de cultura europeia fortemente enraizados, em torno de certos Colégios e Universidades da costa leste.
Talvez radique nesta distante influência o hipotético e remoto discreto anti-americanismo de Pessoa que o texto citado, «O Provincianismo Português», supostamente permite entrever.
Na Europa, em geral, e na França em particular, houve sempre alguma condescendência cultural em relação aos americanos, bem notória em De Gaulle, por exemplo, e que ainda hoje tem os seus seguidores, sem falar da tradicional animosidade da Esquerda francesa, visceralmente anti-americana.
Este sentimento acentuou-se ainda mais com o vincado alinhamento político do tempo da guerra fria, num atitude, diga-se mesmo, que até poderia ser taxada, da parte dos americanos, de soez ingratidão, pelo sangue que estes verteram, em solo francês, durante as duas guerras mundiais.
Fora destas considerações, no entanto, é óbvio para qualquer um que, a par das grandes realizações americanas, a sociedade que lhes subjaz está, no presente, toda ela eivada de profundas contradições e conterá, porventura, no seu seio germes activos de auto-destruição que não cessam de se desenvolver, desde o culto da violência desbragada, que o cinema infrenemente glorifica, aos fracturantes conflitos rácicos e do multi-culturalismo que se tornam cada vez mais difíceis de conter e harmonizar.
Onde pára hoje o ideal da América, Pátria da Liberdade e da Abundância/Land of Freedom and Plenty, que tanto atraía os emigrantes de todo o mundo, que avidamente a demandavam, até há coisa de 30 ou 40 anos ?
Bom, com isto desviei-me um tanto do tema e não sei se consegui esclarecer a questão inicial : o suposto anti-americanismo de Pessoa, que, repito, apesar do meu estrito amadorismo pessoano, não me parece um tópico que tenha relevo significativo, no vasto campo de elucubração deste nosso extraordinário e infeliz Poeta.
Mais uma vez, termino, prometendo regressar a Pessoa, meu tão dilecto tema.
Repetita iuvant ( As coisa repetidas agradam )
Repetitio est mater scientiae ( A repetição é a mãe da Ciência )
AV_ Lisboa, 28 de Novembro de 2004
Como, modestamente, tive ocasião de escrever, já aqui no Alma Lusíada, a propósito de Fernando Pessoa, era este Poeta simultaneamente um louco e um génio, dotado de um extraordinário poder criativo, inventivo, uma autêntica máquina de pensar, incessantemente em produção.
No próximo dia 30, 3ªfeira, cumprem-se os 69 anos da sua morte, trágica, porque o levou ainda relativamente novo, com 47 anos de idade, em plena fase da sua produção literária amadurecida.
No ano que se avizinha, em 2005, certamente, aproveitarão o número redondo da efeméride,70, para uma vistosa comemoração oficial, com sempre gostam de fazer os seus numerosos e envaidecidos exegetas, alguns inequivocamente muito bons e sinceramente interessados em divulgar, se ainda é preciso, o nome do Poeta.
Sendo embora um génio, como disse, na minha modesta opinião, era-o de uma forma desequilibrada e nem tudo aquilo que saiu da sua pena tem o mesmo valor ou merece o mesmo entusiasmo. Até porque não reviu, para publicação, muito daquilo que ia deixando escrito.
Escrevia muita coisa de rajada, febrilmente, em noites atormentadas, em papéis e cadernos que depois atirava para o célebre baú. E sabemos como a revisão de um texto é fundamental, antes de dá-lo à publicação.
Quem sabe se ele estaria interessado em publicar muita coisa que agora aparece a lume, respigada do famigerado baú ? Pode até questionar-se o direito de outrem o fazer.
No que se refere ao seu hipotético anti-americanismo, não tenho sequer conhecimento de que Pessoa haja dedicado atenção a este tema, mas também não sou especialista em Pessoa, apesar de grande admirador da sua obra, que a tenho comigo, na sua quase totalidade, embora ainda não completamente lida.
Mas assinalo que Pessoa foi educado, na infância e adolescência, na África do Sul, colónia britânica, entre súbditos de Sua Majestade, em quem os preconceitos anti-americanos provavelmente se fariam notar.
Nas camadas cultas inglesas, ainda mais entre as aristocráticas, era comum, no final do século xix, considerarem os americanos pouco mais que seres boçais, obcecados com o dinheiro dos negócios, sôfregos de reconhecimento social, que aquele então ainda não garantia, pelo menos não tanto como hoje.
Esta percepção é bem patente num filme chamado "Os Despojos do Dia/The Remains of the Day", que correu por cá há uns anos, aliás, com excelentes interpretações de Anthony Hopkins e Emma Thompson.
Nele se confrontam as visões da política mundial da aristocracia britânica, nos anos vinte e trinta, creio, do século passado, muito baseada ainda em conceitos de honra, cavalheirismo, respeito de códigos, etc., coisas que estavam já em franco desaparecimento, em contraste com a visão dos EUA, potência em ascensão desde o fim da guerra de 1914-1918, com uma noção da política internacional mais pragmática, realista, fundada nos interesses e na capacidade de os afirmar e defender.
Para os aristocratas britânicos, os americanos eram ainda uma Nação demasiado jovem, com uma população muito heteróclita, carecida de pergaminhos culturais, demasiado ocupados com a sordidez dos negócios, sem tempo nem disposição para o apreço dos elevados ideais da Moral e da Arte, nem igualmente tinham a educação indispensável para a fruição dos bens normalmente exigidos pelos espíritos cultivados, apesar de existirem, já então, na América, alguns núcleos de cultura europeia fortemente enraizados, em torno de certos Colégios e Universidades da costa leste.
Talvez radique nesta distante influência o hipotético e remoto discreto anti-americanismo de Pessoa que o texto citado, «O Provincianismo Português», supostamente permite entrever.
Na Europa, em geral, e na França em particular, houve sempre alguma condescendência cultural em relação aos americanos, bem notória em De Gaulle, por exemplo, e que ainda hoje tem os seus seguidores, sem falar da tradicional animosidade da Esquerda francesa, visceralmente anti-americana.
Este sentimento acentuou-se ainda mais com o vincado alinhamento político do tempo da guerra fria, num atitude, diga-se mesmo, que até poderia ser taxada, da parte dos americanos, de soez ingratidão, pelo sangue que estes verteram, em solo francês, durante as duas guerras mundiais.
Fora destas considerações, no entanto, é óbvio para qualquer um que, a par das grandes realizações americanas, a sociedade que lhes subjaz está, no presente, toda ela eivada de profundas contradições e conterá, porventura, no seu seio germes activos de auto-destruição que não cessam de se desenvolver, desde o culto da violência desbragada, que o cinema infrenemente glorifica, aos fracturantes conflitos rácicos e do multi-culturalismo que se tornam cada vez mais difíceis de conter e harmonizar.
Onde pára hoje o ideal da América, Pátria da Liberdade e da Abundância/Land of Freedom and Plenty, que tanto atraía os emigrantes de todo o mundo, que avidamente a demandavam, até há coisa de 30 ou 40 anos ?
Bom, com isto desviei-me um tanto do tema e não sei se consegui esclarecer a questão inicial : o suposto anti-americanismo de Pessoa, que, repito, apesar do meu estrito amadorismo pessoano, não me parece um tópico que tenha relevo significativo, no vasto campo de elucubração deste nosso extraordinário e infeliz Poeta.
Mais uma vez, termino, prometendo regressar a Pessoa, meu tão dilecto tema.
Repetita iuvant ( As coisa repetidas agradam )
Repetitio est mater scientiae ( A repetição é a mãe da Ciência )
AV_ Lisboa, 28 de Novembro de 2004
19.11.04
Novos Fanatismos na Europa
O recente escândalo do homicídio do realizador de cinema holandês, Theo Van Gogh, à luz do dia, em plena rua, na cidade de Amsterdão, uma das mais liberais e tolerantes da Europa e do Mundo, às mãos de um fanático islamita, apenas por aquele ter exercido o seu direito de opinião, tão-só por isto e na sua própria terra, dará ainda muito que pensar e obrigar-nos-á a reflectir, com urgência, sobre a maneira de lidar com a proliferação de seitas religiosas, mas, sobretudo, com o proselitismo islâmico na Europa.
Já tínhamos a noção de que não podíamos criticar o islão nos países muçulmanos, mas estávamos convencidos de que o poderíamos fazer dentro de casa, na nossa Europa, liberal e progressiva, culta e tolerante.
A partir de agora, a dúvida é legítima. Teremos provavelmente de voltar a lutar, na Europa, por aquilo que pensávamos ser uma conquista definitiva da civilização ocidental : a liberdade de exprimir e publicar as nossas opiniões, ainda que possam estar erradas.
Por estas e por outras, pode dizer-se da mentalidade ou cultura judaico-cristã o mesmo que se diz da democracia, em relação aos demais regimes políticos.
Com o islão, a convivência revela-se muito difícil. Trata-se de uma mentalidade algo estranha para os europeus, incompatível em muitos aspectos com a nossa cultura ocidental, hoje, francamente aberta, às vezes até de mais, por falta de critério, equiparando o que não é equiparável.
Como repetidamente tenho afirmado, por muitas críticas que façamos à nossa cultura, mentalidade, modo de vida, etc., logo que contactamos com as sociedades do islão percebemos a que distância delas nos encontramos.
A vida actual nas modernas sociedades capitalistas neo-liberais tem, sem dúvida, muito de censurável, mas não sofre comparação com a que se observa nas do islão, onde, até hoje, não vingou um único regime democrático ou quase-democrático, mas onde apenas têm florescido colecções de tiranias ou de oligarquias, mais ou menos repressivas, porém todas grandemente retrógradas e corruptas.
Dizer isto não é xenofobia nenhuma, é exercer a nossa faculdade judicativa, pelo menos enquanto o pudermos fazer.
Com o fortalecimento das comunidades islâmicas na Europa, algo poderá vir a mudar, se não formos capazes de as fazer respeitar o nosso estilo de vida e mentalidade, construídos ao longo de séculos com muita luta e sacrifício.
Como facilmente se comprova, a cultura, muito mais do que qualquer factor biológico, é o que aproxima ou afasta as pessoas umas das outras, independentemente da cor, da origem, do idioma, do estrato social ou da riqueza de cada um.
A influência das ideias no comportamento individual e colectivo das pessoas é igualmente muito determinante. Pelas ideias que perfilhamos, geramos afinidades, nos reconhecemos compatíveis, conciliáveis ou exactamente o contrário disto.
É certo que a base material da nossa vida também influi no nosso modo de nos relacionarmos com o mundo, desde logo porque impõe limites ou permite desafogos e por aqui também se criam afinidades. Porém, não tão fortes como as baseadas na nossa vida espiritual ou cultural.
Basta atentar nas últimas descobertas da genética e no avanço no conhecimento do genoma humano.
A semelhança entre os chamados grupos rácicos é enorme, praticamente idênticos, mas o seu comportamento e as suas atitudes, perante a vida e o mundo, diferem brutalmente, porque sobre eles e acima das suas diferenças físicas imperam as de natureza espiritual ou cultural.
Basta considerar a quase total identidade do património genético dos povos da orla do Mediterrâneo, em contraste com a sua grande diferenciação de índole espiritual, que os fez criar civilizações completamente distintas e, vêmo-lo hoje, provavelmente antagónicas, de um modo, provavelmente também, inconciliável, quiçá de confrontação inevitável.
Cada vez se percebe melhor a importância dos factores culturais na dinâmica de vida dos povos.
Quando esses factores, que geram afinidades ou incompatibilidades, têm, na sua base, uma forte motivação religiosa, de cariz messiânico, a mistura torna-se explosiva e o confronto iminente ou mesmo inevitável, muito mais do que por razões materiais ou económicas, que facilmente se abandonam, por negociação ou cedência recíproca.
Bem sei que estes argumentos não têm demonstração fácil, mas, se observarmos com atenção o que está a acontecer por esse mundo fora, com o acirrar dos ódios, pela acentuação e instigação das diferenças culturais, a pretexto da valorização das especificidades de cada grupo étnico-religioso, vemos que caminhamos para uma situação de alto risco, de iminente confrontação : civil, quando contida no plano político-diplomático, ou, na sua falência, desembocando no plano militar, na guerra, que outra coisa não é, como bem evidenciou Clausewitz, senão a política por outros meios.
É forçoso que nos questionemos sobre alguns pontos fundamentais : como se poderão sustentar unidades políticas amplas, quando as comunidades que as constituem não partilham valores ético-culturais essenciais, sem falar já da base religiosa que os gerou, igualmente diversa e cuja evolução histórica radicalmente os diferenciou ?
A meu ver, este é um dos principais desafios das sociedades modernas: como governar países sobredivididos pelas especificidades dos multi-culturalismos agressivos, em permanente exercício de afirmação, exacerbando as diferenças e destruindo o cerne da cultura que sustentou, até ao presente, as identidades políticas desses mesmos países, assentes na comunhão de crenças e culturas há muito estabilizadas ?
Como reagirão as comunidades mais antigas e estabilizadas a esses choques culturais, de base religiosa, «proselitista», em constante postura reivindicativa, contestatária, militante e desafiadora ?
Veremos se existe habilidade política bastante, para lidar com os presentes problemas, tensões e conflitos inter-comunitários, reconhecidamente explosivos, que, um tanto levianamente, por toda a Europa temos deixado acumular.
Sobre tudo isto, acresce a natureza instável, imprevisível, do homem, que, a todo o momento, pode levá-lo a cometer as maiores irracionalidades, as maiores barbaridades, quando perde a noção das referências éticas que devem enquadrar o seu comportamento.
Sabemos como a Humanidade aprende pouco com a História, na sua ânsia de desbravar o futuro.Ainda há pouco mais de 60 anos o mundo se envolveu numa vasta guerra, de horríveis carnificinas, desencadeadas pelo absoluto desvario Nazi, surgido, paradoxalmente, num dos países mais civilizados e cultos de então.
Não estaremos a chocar o novo ovo da serpente, com a nossa actual política, imoderadamente tolerante e permissiva,para com comunidades animadas de propósitos agressivos, que demonstram tão pouco empenho de integração e convivência com as de acolhimento ?
Pela sua premência, o tema voltará certamente a ser abordado.
Res non verba ( Acção e não palavras. ), porque :
Verba movent, exempla trahunt ( As palavras movem, os exemplos arrastam. )
António Viriato – Lisboa, 18 de Novembro de 2004
Já tínhamos a noção de que não podíamos criticar o islão nos países muçulmanos, mas estávamos convencidos de que o poderíamos fazer dentro de casa, na nossa Europa, liberal e progressiva, culta e tolerante.
A partir de agora, a dúvida é legítima. Teremos provavelmente de voltar a lutar, na Europa, por aquilo que pensávamos ser uma conquista definitiva da civilização ocidental : a liberdade de exprimir e publicar as nossas opiniões, ainda que possam estar erradas.
Por estas e por outras, pode dizer-se da mentalidade ou cultura judaico-cristã o mesmo que se diz da democracia, em relação aos demais regimes políticos.
Com o islão, a convivência revela-se muito difícil. Trata-se de uma mentalidade algo estranha para os europeus, incompatível em muitos aspectos com a nossa cultura ocidental, hoje, francamente aberta, às vezes até de mais, por falta de critério, equiparando o que não é equiparável.
Como repetidamente tenho afirmado, por muitas críticas que façamos à nossa cultura, mentalidade, modo de vida, etc., logo que contactamos com as sociedades do islão percebemos a que distância delas nos encontramos.
A vida actual nas modernas sociedades capitalistas neo-liberais tem, sem dúvida, muito de censurável, mas não sofre comparação com a que se observa nas do islão, onde, até hoje, não vingou um único regime democrático ou quase-democrático, mas onde apenas têm florescido colecções de tiranias ou de oligarquias, mais ou menos repressivas, porém todas grandemente retrógradas e corruptas.
Dizer isto não é xenofobia nenhuma, é exercer a nossa faculdade judicativa, pelo menos enquanto o pudermos fazer.
Com o fortalecimento das comunidades islâmicas na Europa, algo poderá vir a mudar, se não formos capazes de as fazer respeitar o nosso estilo de vida e mentalidade, construídos ao longo de séculos com muita luta e sacrifício.
Como facilmente se comprova, a cultura, muito mais do que qualquer factor biológico, é o que aproxima ou afasta as pessoas umas das outras, independentemente da cor, da origem, do idioma, do estrato social ou da riqueza de cada um.
A influência das ideias no comportamento individual e colectivo das pessoas é igualmente muito determinante. Pelas ideias que perfilhamos, geramos afinidades, nos reconhecemos compatíveis, conciliáveis ou exactamente o contrário disto.
É certo que a base material da nossa vida também influi no nosso modo de nos relacionarmos com o mundo, desde logo porque impõe limites ou permite desafogos e por aqui também se criam afinidades. Porém, não tão fortes como as baseadas na nossa vida espiritual ou cultural.
Basta atentar nas últimas descobertas da genética e no avanço no conhecimento do genoma humano.
A semelhança entre os chamados grupos rácicos é enorme, praticamente idênticos, mas o seu comportamento e as suas atitudes, perante a vida e o mundo, diferem brutalmente, porque sobre eles e acima das suas diferenças físicas imperam as de natureza espiritual ou cultural.
Basta considerar a quase total identidade do património genético dos povos da orla do Mediterrâneo, em contraste com a sua grande diferenciação de índole espiritual, que os fez criar civilizações completamente distintas e, vêmo-lo hoje, provavelmente antagónicas, de um modo, provavelmente também, inconciliável, quiçá de confrontação inevitável.
Cada vez se percebe melhor a importância dos factores culturais na dinâmica de vida dos povos.
Quando esses factores, que geram afinidades ou incompatibilidades, têm, na sua base, uma forte motivação religiosa, de cariz messiânico, a mistura torna-se explosiva e o confronto iminente ou mesmo inevitável, muito mais do que por razões materiais ou económicas, que facilmente se abandonam, por negociação ou cedência recíproca.
Bem sei que estes argumentos não têm demonstração fácil, mas, se observarmos com atenção o que está a acontecer por esse mundo fora, com o acirrar dos ódios, pela acentuação e instigação das diferenças culturais, a pretexto da valorização das especificidades de cada grupo étnico-religioso, vemos que caminhamos para uma situação de alto risco, de iminente confrontação : civil, quando contida no plano político-diplomático, ou, na sua falência, desembocando no plano militar, na guerra, que outra coisa não é, como bem evidenciou Clausewitz, senão a política por outros meios.
É forçoso que nos questionemos sobre alguns pontos fundamentais : como se poderão sustentar unidades políticas amplas, quando as comunidades que as constituem não partilham valores ético-culturais essenciais, sem falar já da base religiosa que os gerou, igualmente diversa e cuja evolução histórica radicalmente os diferenciou ?
A meu ver, este é um dos principais desafios das sociedades modernas: como governar países sobredivididos pelas especificidades dos multi-culturalismos agressivos, em permanente exercício de afirmação, exacerbando as diferenças e destruindo o cerne da cultura que sustentou, até ao presente, as identidades políticas desses mesmos países, assentes na comunhão de crenças e culturas há muito estabilizadas ?
Como reagirão as comunidades mais antigas e estabilizadas a esses choques culturais, de base religiosa, «proselitista», em constante postura reivindicativa, contestatária, militante e desafiadora ?
Veremos se existe habilidade política bastante, para lidar com os presentes problemas, tensões e conflitos inter-comunitários, reconhecidamente explosivos, que, um tanto levianamente, por toda a Europa temos deixado acumular.
Sobre tudo isto, acresce a natureza instável, imprevisível, do homem, que, a todo o momento, pode levá-lo a cometer as maiores irracionalidades, as maiores barbaridades, quando perde a noção das referências éticas que devem enquadrar o seu comportamento.
Sabemos como a Humanidade aprende pouco com a História, na sua ânsia de desbravar o futuro.Ainda há pouco mais de 60 anos o mundo se envolveu numa vasta guerra, de horríveis carnificinas, desencadeadas pelo absoluto desvario Nazi, surgido, paradoxalmente, num dos países mais civilizados e cultos de então.
Não estaremos a chocar o novo ovo da serpente, com a nossa actual política, imoderadamente tolerante e permissiva,para com comunidades animadas de propósitos agressivos, que demonstram tão pouco empenho de integração e convivência com as de acolhimento ?
Pela sua premência, o tema voltará certamente a ser abordado.
Res non verba ( Acção e não palavras. ), porque :
Verba movent, exempla trahunt ( As palavras movem, os exemplos arrastam. )
António Viriato – Lisboa, 18 de Novembro de 2004
11.11.04
Fernando Pessoa – Breve Tributo à sua Memória
Fernando Pessoa* era um louco, que era um génio, porventura um génio doente, transtornado, poliédrico, mas sempre um génio, uma verdadeira máquina de pensar, incessante e perturbadora, uma mente poderosa, intensamente elucubradora.
E pensar que nunca passou de um «obscuro empregado de escritório», no seu lado social, burocrático e tributável, vagamente ocupado com a correspondência comercial de firmas importadoras da baixa lisboeta, onde fazia valer sua clara mais-valia de escritor, pelo domínio superior, criativo, das línguas portuguesa, inglesa e francesa, sua vocação acabada.
No deserto afectivo em que viveu a fase adulta da sua vida, nem uma namorada logrou conservar, pobre Ofélia, sempre à espera que ele se decidisse.
Muito pouca gente deu por ele ou o soube apreciar. Que amarga contradição encerra a sua vida !
Morreu quase incógnito, diz-se que com o fígado degradado, pelo álcool, aguardente, sobretudo, que bebia pelas noites dentro, sempre a escrever, para o mítico baú, de onde tanta gente tem tirado matéria para Mestrados e Doutoramentos, louros – quase diríamos – a ele roubados.
Ao seu funeral compareceram meia-dúzia de amigos, que o compreendiam e estimavam, como homem e como escritor.
Metido na terra fria e húmida de um soturno final de Novembro, de 1935, sob o manto espesso da indiferença geral, desaparecia, anónimo para o mundo, o grande Poeta e Pensador, Fernando Pessoa. Hoje repousa – altivamente – no Mosteiro dos Jerónimos e poucos, por esse mundo, desconhecem o seu nome.
A única distinção oficial portuguesa que recebeu em vida, pela sua criação literária, foi um modesto prémio de 2º lugar, num Concurso organizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional(SNP), em 1934, a que ele concorreu com a sua soberba Mensagem.
Quem sabe hoje dizer o nome do 1º classificado desse olvidado Concurso ?
Foi português por opção sua : livre, determinada. Poderia muito bem ter sido inglês, como os seus meios-irmãos.
Além da alta poesia que escreveu, quase toda de cariz filosófico, deixou-nos páginas admiráveis, deslumbrantes, sobre A Portugalidade, a Língua Portuguesa, a Estética, o Sebastianismo, o Republicanismo, o Esoterismo, o Ocultismo, que sei eu...
Que mente prodigiosa !
Como o trataríamos hoje ? Como um fracassado, um fora de moda, um deslocado, um perdedor, a trabalhar a recibos verdes ?
Como se daria ele hoje com a Fama e a Glória, se as ganhasse ? Dar-lhe-iam o Nobel, se lhe publicassem a obra ?
Conhecem alguma figura mais enigmática, mais desconcertante e criativa nas letras portuguesas ?
Talvez só Camões se lhe possa comparar – se a expressão é válida –, pelo sublime génio literário que possuía e pela funda tragédia da sua atribulada vida, como a da Pátria, pelo mundo em pedaços repartida.
- Fortuna imperatrix mundi (A sorte governa o mundo) e, como bem sabemos,
- Fortuna saepe indignos favet (A sorte muitas vezes favorece os indignos dela)
António Viriato - Lisboa, 10 de Novembro de 2004, véspera de S. Martinho.
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Súmula biográfica
· Fernando António Nogueira Pessoa nasceu às 15h20 de 13 de Junho, dia de Sto António, de 1888, no Largo de S. Carlos, nº 4, no 4º andar, em frente do Teatro de S. Carlos, na freguesia dos Mártires, em Lisboa, e faleceu no dia 30 de Novembro de 1935, às 20h30, na mesma cidade, no Hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, onde dera entrada um dia antes, na sequência de uma violenta crise hepática. Diz-se que a última frase que escreveu fê-lo em inglês, sua língua de infância e adolescência, que dominava com perfeição, pouco antes de se finar, num derradeiro esforço perscrutador:
- « I Know not what tomorrow will bring » ( Não sei o que o amanhã me trará/Não sei o que o amanhã me reserva ).
Entre 1896 e 1905, viveu na África do Sul, em Durban, onde o seu padrasto desempenhava funções diplomáticas. Desde o seu retorno a Lisboa, viajando sozinho, no vapor alemão Herzog, em 1905, até à sua morte, 30 anos depois, nunca mais daqui saiu, se exceptuarmos uma breve deslocação a Portalegre, para agenciar um negócio ruinoso de uma tipografia, e algumas rápidas surtidas ao Estoril e a Cascais, nos arredores da capital. Passou trinta anos a calcorrear as ruas da baixa, num limitado perímetro, entre os quartos alugados que sucessivamente ocupou, os cafés que frequentava e os escritórios onde irregularmente trabalhava. No espaço de 15 anos, entre 1905 e 1920, conhecem-se-lhe mais de vinte endereços, até se fixar no bairro de Campo de Ourique,na Rua Coelho da Rocha, nº 16, onde funciona a Casa-Museu que ostenta o seu nome. Publicou apenas um livro de poemas em vida - Mensagem. No ano do cinquentenário da sua morte, a 13 de Junho, dia do seu aniversário, os seus restos mortais foram trasladados, com pompa e circunstância, para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, no mesmo sítio em que jazem outras duas glórias da Pátria : Vasco da Gama e Luís de Camões. É hoje geralmente reconhecido como um dos maiores poetas de todos tempos, em qualquer língua em que se tenham expressado.
Na lápide do claustro dos Jerónimos, em que eternamente repousa, encontram-se gravados estes versos da famosa Ode, do seu heterónimo Ricardo Reis :
«Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.»
Poucos anos antes de morrer, em 1932, quase premonitoriamente, escrevera também estas quadras inquietantes :
«A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.»
E pensar que nunca passou de um «obscuro empregado de escritório», no seu lado social, burocrático e tributável, vagamente ocupado com a correspondência comercial de firmas importadoras da baixa lisboeta, onde fazia valer sua clara mais-valia de escritor, pelo domínio superior, criativo, das línguas portuguesa, inglesa e francesa, sua vocação acabada.
No deserto afectivo em que viveu a fase adulta da sua vida, nem uma namorada logrou conservar, pobre Ofélia, sempre à espera que ele se decidisse.
Muito pouca gente deu por ele ou o soube apreciar. Que amarga contradição encerra a sua vida !
Morreu quase incógnito, diz-se que com o fígado degradado, pelo álcool, aguardente, sobretudo, que bebia pelas noites dentro, sempre a escrever, para o mítico baú, de onde tanta gente tem tirado matéria para Mestrados e Doutoramentos, louros – quase diríamos – a ele roubados.
Ao seu funeral compareceram meia-dúzia de amigos, que o compreendiam e estimavam, como homem e como escritor.
Metido na terra fria e húmida de um soturno final de Novembro, de 1935, sob o manto espesso da indiferença geral, desaparecia, anónimo para o mundo, o grande Poeta e Pensador, Fernando Pessoa. Hoje repousa – altivamente – no Mosteiro dos Jerónimos e poucos, por esse mundo, desconhecem o seu nome.
A única distinção oficial portuguesa que recebeu em vida, pela sua criação literária, foi um modesto prémio de 2º lugar, num Concurso organizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional(SNP), em 1934, a que ele concorreu com a sua soberba Mensagem.
Quem sabe hoje dizer o nome do 1º classificado desse olvidado Concurso ?
Foi português por opção sua : livre, determinada. Poderia muito bem ter sido inglês, como os seus meios-irmãos.
Além da alta poesia que escreveu, quase toda de cariz filosófico, deixou-nos páginas admiráveis, deslumbrantes, sobre A Portugalidade, a Língua Portuguesa, a Estética, o Sebastianismo, o Republicanismo, o Esoterismo, o Ocultismo, que sei eu...
Que mente prodigiosa !
Como o trataríamos hoje ? Como um fracassado, um fora de moda, um deslocado, um perdedor, a trabalhar a recibos verdes ?
Como se daria ele hoje com a Fama e a Glória, se as ganhasse ? Dar-lhe-iam o Nobel, se lhe publicassem a obra ?
Conhecem alguma figura mais enigmática, mais desconcertante e criativa nas letras portuguesas ?
Talvez só Camões se lhe possa comparar – se a expressão é válida –, pelo sublime génio literário que possuía e pela funda tragédia da sua atribulada vida, como a da Pátria, pelo mundo em pedaços repartida.
- Fortuna imperatrix mundi (A sorte governa o mundo) e, como bem sabemos,
- Fortuna saepe indignos favet (A sorte muitas vezes favorece os indignos dela)
António Viriato - Lisboa, 10 de Novembro de 2004, véspera de S. Martinho.
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Súmula biográfica
· Fernando António Nogueira Pessoa nasceu às 15h20 de 13 de Junho, dia de Sto António, de 1888, no Largo de S. Carlos, nº 4, no 4º andar, em frente do Teatro de S. Carlos, na freguesia dos Mártires, em Lisboa, e faleceu no dia 30 de Novembro de 1935, às 20h30, na mesma cidade, no Hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, onde dera entrada um dia antes, na sequência de uma violenta crise hepática. Diz-se que a última frase que escreveu fê-lo em inglês, sua língua de infância e adolescência, que dominava com perfeição, pouco antes de se finar, num derradeiro esforço perscrutador:
- « I Know not what tomorrow will bring » ( Não sei o que o amanhã me trará/Não sei o que o amanhã me reserva ).
Entre 1896 e 1905, viveu na África do Sul, em Durban, onde o seu padrasto desempenhava funções diplomáticas. Desde o seu retorno a Lisboa, viajando sozinho, no vapor alemão Herzog, em 1905, até à sua morte, 30 anos depois, nunca mais daqui saiu, se exceptuarmos uma breve deslocação a Portalegre, para agenciar um negócio ruinoso de uma tipografia, e algumas rápidas surtidas ao Estoril e a Cascais, nos arredores da capital. Passou trinta anos a calcorrear as ruas da baixa, num limitado perímetro, entre os quartos alugados que sucessivamente ocupou, os cafés que frequentava e os escritórios onde irregularmente trabalhava. No espaço de 15 anos, entre 1905 e 1920, conhecem-se-lhe mais de vinte endereços, até se fixar no bairro de Campo de Ourique,na Rua Coelho da Rocha, nº 16, onde funciona a Casa-Museu que ostenta o seu nome. Publicou apenas um livro de poemas em vida - Mensagem. No ano do cinquentenário da sua morte, a 13 de Junho, dia do seu aniversário, os seus restos mortais foram trasladados, com pompa e circunstância, para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, no mesmo sítio em que jazem outras duas glórias da Pátria : Vasco da Gama e Luís de Camões. É hoje geralmente reconhecido como um dos maiores poetas de todos tempos, em qualquer língua em que se tenham expressado.
Na lápide do claustro dos Jerónimos, em que eternamente repousa, encontram-se gravados estes versos da famosa Ode, do seu heterónimo Ricardo Reis :
«Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.»
Poucos anos antes de morrer, em 1932, quase premonitoriamente, escrevera também estas quadras inquietantes :
«A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.»